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Secretária nacional de Relações de Trabalho da CUT fala da dura conjuntura enfrentada no Brasil

Em entrevista, dirigente cutista fala do tsunami que varreu o país após o golpe de Estado que depôs a presidente Dilma Rousseff

Publicado: 30 Maio, 2017 - 17h36

Escrito por: CUT

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Graça Costa é secretária nacional de Relações do Trabalho da CUT

Graça, como Secretária de Relações de Trabalho da CUT, você está à frente da secretaria responsável por acompanhar de perto tudo que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. O que é isso que estamos assistindo no Brasil?

A primeira coisa que posso dizer é que tudo parece surreal, tudo parece um pesadelo sem fim. Há quatro anos, vivíamos no Brasil uma situação de pleno emprego com a renda do trabalho crescendo, numa democracia que se consolidava com o aumento da participação popular através de ações do governo como a realização das conferências nacionais, da atuação dos conselhos e do investimento prioritário em educação. O futuro sorria para o Brasil com perspectivas de avançar no desenvolvimento nacional com redução das desigualdades e inclusão social, com mais cidadania.

De repente, um tsunami varreu o país num golpe impensável, jogando o Brasil numa dinâmica de desmonte do Estado e dos direitos sociais, instalando um estado de exceção onde os direitos constitucionais e as instituições da república são usados ao bel prazer dos golpistas. Não há mais garantia dos direitos individuais e coletivos. Foram estabelecidas as condições para inverter a rota do Brasil. Para ser ainda mais direta, para vender o Brasil, entregar nossas riquezas naturais e o nosso patrimônio e transformar o país num grande fornecedor de matérias primas e mão de obra barata. Era preciso suspender a democracia para uma ação tão violenta e criminosa.

O que mais causa indignação é pensar que, sob o argumento de combater a corrupção, uma mulher de reputação ilibada como a Dilma, escolhida pelo povo, foi deposta por um grupo de ratos que jogou a condução do país no esgoto. As provas estão aí para quem quiser ver, basta ser honesto para entender e reconhecer o que aconteceu no Brasil.

Um grupo de intelectuais militantes produziu um material muito interessante e que dá a dimensão do que estamos vivendo neste um ano que mais parece um século, “Um golpe por dia, 365 direitos perdidos”.

No caso da classe trabalhadora, precisamos destacar o risco que representam as reformas trabalhista e da Previdência que eles querem aprovar a toque de caixa no Congresso Nacional. Mas os ataques aos trabalhadores vêm de todos os lados, do Executivo, do Legislativo e também do Judiciário.

Você arrisca alguma previsão em relação ao fim das reformas?

Bem, eu acho que a situação não se sustenta e o povo brasileiro, apesar da manipulação diária e opressiva das informações, já se deu conta de que vai sobrar só para ele e a mobilização vai crescer.

Porém, dois dos principais objetivos do golpe já foram atingidos, o primeiro é entregar o pré sal para o capital internacional e o segundo é transformar o Estado brasileiro num Estado Mínimo, acabando com todas as políticas e investimento sociais, subjugando o orçamento e a economia nacional aos interesses do sistema financeiro através da dívida pública.

Para além disso, é prioridade para os golpistas fazer a reforma trabalhista e depois a reforma da previdência. Porém, na minha opinião, se enganam os que acreditam que a prioridade deles é a reforma da previdência, ela já está feita com a aprovação da PEC do Fim do Mundo que congelou o orçamento e a reforma trabalhista vai completar o que falta para acabar com a aposentadoria, porque o trabalhador nunca mais vai ter emprego formal por tempo suficiente para se aposentar. Por isso, acho que todos os investimentos agora estão voltados para a aprovação da reforma trabalhista, que já passou na Câmara e tramita rápido no Senado. Uma vez aprovada, estará feita a desregulamentação geral do mercado de trabalho no Brasil e não há exageros quando dizemos que vamos retroceder um século.

Sobre a reforma trabalhista…

Sobre a reforma trabalhista é preciso dizer que, se aprovada, o Brasil estará entre os fornecedores de mão de obra mais barata do mundo, em comparação com Bangladesh e outros. Não haverá mais direitos protegidos por lei, o trabalhador brasileiro vai depender da boa vontade e da generosa concessão dos patrões, o que podemos esperar disso? Não haverá limite de jornada, não haverá mais garantia de pagamento de hora extra, de descanso e  férias remunerados. A grande massa de postos de trabalho será precária, contratos terceirizados, temporários e por hora, com renda e direitos reduzidos.

O projeto é tão perverso que, além de desmontar todo o arcabouço de direitos trabalhistas, destrói os instrumentos de proteção ao trabalhador, acaba com a justiça do trabalho, com a negociação coletiva e com a organização sindical. O trabalhador não terá a quem recorrer. Viveremos um processo acelerado de empobrecimento, crescimento da miséria e aprofundamento da crise social.

Como resultado, a recessão se aprofundará e a economia será reduzida drasticamente. Um país como o Brasil, com tamanha dimensão territorial, com o volume de riquezas naturais e com uma imensa juventude trabalhadora como a nossa será transformado em um dos países mais pobres do mundo, sem sombra de dúvidas.

Não temos uma elite nacionalista que se preocupa com o capital produtivo no Brasil, que se preocupa em gerar riquezas e promover desenvolvimento. Temos um grupo de vassalos que se contenta em vender o país e investir no mercado financeiro.

A CUT tem se posicionado de maneira muito firme em relação às reformas?

Sim, não haverá arrego. Estaremos mobilizados contra este governo e contra essas reformas sem descanso. E a CUT tem sido clara em relação às reformas da previdência e trabalhista, pois não há qualquer possibilidade de negociação visando à redução de danos. O Brasil precisa de reformas sim, mas para ampliar os direitos dos trabalhadores e a cobertura da previdência social.

De imediato, na sua opinião, o que precisa ser feito?

O povo brasileiro precisa tomar nas mãos o seu destino e o primeiro passo é tirar essa corja do poder através de eleições diretas e para isso o povo tem que continuar nas ruas. Vamos aumentar a mobilização, investir no diálogo em todos os espaços para trazer quem ainda não veio. E vamos parar novamente o Brasil, vamos parar e inviabilizar qualquer tentativa de impor um ritmo de normalidade neste momento triste da nossa história.

Sobre a greve geral, qual sua avaliação?

A Greve Geral foi um sucesso, porque não foi uma greve de dirigentes e lideranças, foi a classe trabalhadora quem fez a greve quando decidiu não sair de casa. E ela foi uma experiência extremamente didática, porque foi um momento em que o trabalhador das periferias, aquele cidadão anônimo que se sente impotente diante de tanta corrupção, de tanta sujeira na política, aquele cidadão que está completamente descrente, percebeu que ele tem poder, que é possível fazer um movimento grande e mudar as coisas. Esse trabalhador teve sua confiança elevada, sua autoestima elevada porque percebeu que tem força e pode lutar, por isso, acredito que vai responder novamente se for chamado.

Qual o maior desafio da CUT neste momento?

Quais os maiores desafios, sim porque acho que há ao menos três grandes desafios para nós nesse momento.

O primeiro é diminuir a distância entre nós e os trabalhadores para estabelecer um diálogo direto sobre o que está em jogo e daí temos o desafio da comunicação. Nós sabemos que não é fácil fazer o confronto das versões com o poder dos grandes veículos de comunicação que estão a serviço do golpe dia e noite dentro da casa do povo trabalhador. Por isso, é preciso usar criatividade para ir para a base, além de explorar ao máximo as redes sociais e acho que nisso precisamos melhorar muito. Sobre a reforma trabalhista, por exemplo, falta material e outros recursos de comunicação de massa para explicar para a população o que ela representa. A sociedade já acordou para os perigos da reforma da previdência, mas ainda não estão claros os prejuízos que a reforma trabalhista trará. Esse é o desafio mais imediato, na minha opinião.

Outra questão, é a nossa democracia interna. Precisamos ser radicais na prática de democracia dentro de casa e esse é um dos nossos maiores problemas internos. É preciso reconhecer que temos sido negligentes em relação à democracia. Isso nos fragiliza bastante, desorganiza nossa base e nossa capacidade de resistência e, certamente, está na origem da crise de representatividade que vivemos no Brasil e no mundo. Mais participação é um clamor geral da sociedade e o único caminho possível para a construção de alternativas.

O terceiro desafio, e este muito mais estratégico, é apresentar uma proposta, uma alternativa que consiga encantar o povo, que responda aos seus anseios e possa acender a esperança numa vida melhor, num país melhor. É preciso mostrar que há caminhos possíveis, que o futuro não precisa ser o trabalho precário, o desrespeito e a humilhação como única alternativa para o povo brasileiro e que isso depende também da nossa participação. Mais uma vez, se coloca a questão da participação, a urgência de se ampliar a participação, especialmente dos jovens e das mulheres.

Este terceiro desafio é, de fato, um desafio geral para a esquerda, ampliar a participação e apresentar um projeto alternativo de sociedade. Há algo novo neste sentido?

Algumas experiências recentes nos trazem dicas importantes a esse respeito e destaco aqui o referendo que será realizado este ano na Itália e que já produz resultados políticos interessantes. Por iniciativa da CGIL, foi construído no ano passado um novo código do direito do trabalho, eles chamam de Carta do Direito Universal do Trabalho. Ela resgata a ideia de trabalho decente, com direitos garantidos, proteção social. É uma proposta que dialoga com a possibilidade de redução das desigualdades sociais, invertendo a lógica atual de máxima exploração e concentração da renda. A Carta propõe mudanças na legislação trabalhista na lógica de garantir  a distribuição da riqueza através do trabalho. Essas propostas são nossas velhas conhecidas como redução da jornada, combate à rotatividade, estímulo e proteção à negociação coletiva, igualdade de gênero entre outras.

O processo de construção da Carta do Trabalho foi de ampla participação. Uma vez finalizada, a CGIL rodou toda a Itália em caravanas conversando com a população e colhendo assinaturas para um projeto de iniciativa popular.  Esta ação promoveu um processo de conscientização política que, certamente, teve resultados no refendo que derrubou o primeiro ministro no final do ano passado. Fruto deste movimento também é a realização em 2017 de um referendo nacional.

Minha proposta é repetirmos essa experiência aqui no Brasil. A CUT pode construir um grande projeto de iniciativa popular para aperfeiçoar a legislação trabalhista, uma verdadeira reforma trabalhista que amplie os direitos e traga mais proteção para os trabalhadores, gerando um círculo virtuoso para a economia do país. E vamos para a base, apresentar ao povo brasileiro outra proposta e disputar um projeto para o futuro do trabalho, um projeto para o país.

Mais do que nunca, a esquerda tem o desafio de apresentar uma alternativa a essa dinâmica suicida do capitalismo neoliberal. Não dá mais para negligenciar essa tarefa histórica que está colocada diante de nós.

Há alguma luz no fim do túnel?

Sim, sempre há uma luz. Há novas formas de organização popular que começam a despontar, precisamos apoia-las, precisamos dar a elas sustentação e garantir condições favoráveis para que floresçam. A história é cíclica e, fazendo referência e reverência ao grande poeta Belchior, o novo sempre vem!