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Regulamentação da Prostituição: não há resposta fácil para questões complexas

Publicado: 21 Janeiro, 2014 - 00h00

No dia 3 de dezembro, o Coletivo Nacional de Mulheres da CUT firmou posicionamento contrário à proposta de regulamentação da prostituição do deputado Jean Willys do Psol.
Uma leitura objetiva do projeto é auto-explicativa para a compreensão deste posicionamento, pois na essência o PL descriminaliza a cafetinagem e legaliza as casas de prostituição atribuindo a uma suposta fiscalização do processo de comercialização a conseqüente melhoria das condições de vida e trabalho das prostitutas.
No entanto, o debate sobre a prostituição precisa ser aprofundado e ampliado na Central, é necessário construir um posicionamento que vá além de debates pontuais de eventuais projetos de lei. Mas para isso, não podemos deixar de ouvir e interagir com as diversas associações de prostitutas existentes no país.
A existência destas entidades desde a década de 80 revela a existência de uma ação militante, e mesmo que não consolidada e ainda incipiente, é sinal da busca de construção de organizações coletivas, colocando a possibilidade de emergência destas mulheres como sujeitas de direitos, o que deve ser reconhecido e fortalecido pela CUT.
As prostitutas têm direito de organização, de sair da clandestinidade e da marginalidade, de deixar de serem tratadas apenas como objeto de estudos acadêmicos, ou de posicionamentos políticos de legítimas organizações de mulheres, mas que não as incorporam nas suas fileiras. Se não atuarmos para que suas vozes sejam ouvidas, permanecerão inaudíveis e invisíveis como sujeitas políticas e em conseqüência sem direito de opinião e decisão sobre os temas que as afetam.
A complexidade da questão não pode ser reduzida no enquadramento da diversidade de posições políticas e ideológicas em modelos acadêmicos ou jurídicos de abordagem da prostituição. Na vida real estas perspectivas interagem e apresentam ambigüidades e contradições.
Mas, em linhas bem gerais, na literatura e na legislação a prostituição é vista sob quatro abordagens institucionais e sociais: a regulamentarista, no qual o Estado regulamenta a profissão, mas não oferece direitos trabalhistas; a proibicionista que associa a prostituição com delinqüência, drogas, tráfico de pessoas, sendo caso de polícia que exige punição, há o modelo laboral ou trabalhista em que a prostituta é vista como trabalhadora e enfatiza a valorização profissional e a identidade, e a perspectiva abolicionista, que vincula a prostituição à sociedade sexista, onde exploração sexual e prostituição são sinônimos, a troca de sexo por dinheiro já representaria em si violência sexual.
Num artigo muito instigante, Adriana Piscitelli, pesquisadora da Unicamp, do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, mostra que as atuais tendências do movimento feminista (ou as mais visíveis) caracterizam a prostituição em termos que se opõem a considerá-la como trabalho.
Afirma a pesquisadora que “O abolicionismo contemporâneo mais radical considera a prostituição como violência sexista, que foram parte de um continuum que se inicia na publicidade, inclui espetáculos, o mercado matrimonial, a pornografia e culmina na prostituição. Nessa visão, a articulação entre patriarcado, estratificação social e a vulnerabilidade, resultado de carências afetivas e de violências físicas e sexuais vividas na infância, explica a prostituição das mulheres. Essa versão de abolicionismo nega qualquer forma de prostituição livre. Nesse contexto nasce outro grande princípio do abolicionismo radical, a negação do direito a prostituir-se tido como contrário aos direitos humanos universais. Nessa linha de pensamento, a prostituição é exploração sexual porque nela se obtém prazer sexual mediante a utilização abusiva da sexualidade de uma pessoa, anulando os seus direitos à dignidade, igualdade, autonomia e bem estar. Por esse motivo, o abolicionismo radical pretende penalizar ao cliente, culpável de violar os direitos humanos das mulheres na prostituição.”
Nesta direção, na França uma nova lei foi proposta pelo Partido Socialista, nela a prostituição em si continuará sendo legal, e a exploração da prostituição, continuará sendo crime. Mas, pagar por sexo passará a ser punido com multas. Países como Uruguai, Espanha, Alemanha, Holanda, Aústria, Hungria, Nova Zelândia entre outros regulamentaram a prostituição, e é preciso conhecer estas legislações e principalmente os impactos concretos das diferentes regulamentações na vida das que vivem  da prostituição em contextos sociais, políticos e econômicos diversos.
Na América Latina e Caribe vale destacar a atuação da REDTRASEX- Rede de Trabalhadoras Sexuais da América Latina e Caribe, que reúne 25 organizações de 16 países, cujo programa possui cinco eixos: Saúde, Repressão Policial, Condição Jurídica e Laboral, Direitos Sociais e Humanos, Organização e Fortalecimento. Em cada um destes eixos, uma série de reivindicações e propostas que vão desde o simples direito de serem bem tratadas nas instituições de saúde, acesso a programas habitacionais e creches à legislação trabalhista, até o direito a contratos coletivos de trabalho e à construção de organizações de autogestão de trabalhadoras sexuais para assegurar a sua autonomia.
No Brasil, além de inúmeras associações de prostitutas, há a Rede Nacional de Prostitutas e a Federação Nacional das Trabalhadoras do Sexo, entidades que tem posições divergentes em relação à discussão sobre regulamentação da atividade, sendo a primeira favorável e a segunda contrária.
Não há respostas fáceis para questões complexas, e não haverá política justa, que contribua para acabar com preconceitos, estigmas e marginalização, sem nos abrirmos para o debate com as diversas posições presentes nos movimentos de mulheres e principalmente com as organizações de prostitutas.