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Reforma política deve ir além do sistema eleitoral

Acabar com financiamento privado e manter voto proporcional é importante, mas não resolve

Publicado: 05 Março, 2015 - 00h00

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O debate sobre as mudanças do sistema político não pode ser desvirtuado por questões específicas como a simples alteração do sistema eleitoral. Esse foi o princípio que norteou o seminário sobre reforma política que a CUT promoveu nessa quarta (4), no Senado, antes do lançamento do seu 12º Congresso Nacional.
O embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães ressaltou que uma das formas de manter a sociedade distante desse processo de discussão é convencê-la de que a atividade política é ruim, corrupta e corruptora e, assim, instá-la a não participar do processo político. Para isso, defendeu, é essencial o controle dos meios de comunicaçãoOutro passo é desmoralizar quem conduz o debate, como a organização dos trabalhadores. A partir daí, o próximo passo é financiar os representantes que querem ver no Congresso.
“Na reforma política a questão central é a o financiamento empresarial das campanhas contra o financiamento público. Porque essa é a fonte do sistema de controle político”, disse.
Para enfrentar o problema, há dois entraves: um deles está no Judiciário. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pediu vista há 11 meses do processo de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.650, proposto pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), contra o financiamento empresarial de campanhas.
A medida visa segurar a conclusão da votação no STF (a derrota do financiamento empresarial é inevitável, já são 6 a 1 para o fim da participação das empresas) para que o Congresso decida.
Já o segundo entrave está justamente na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 342, do deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que mantém a doação das empresas para as campanhas.
Muito além da eleição
O professor José Moroni pondera que, apesar da importância de acabar com o financiamento privado, a reforma do sistema política não se resume às regras eleitorais. É preciso discutir essencialmente o poder. Ele lembra que o Congresso possui somente 6% de parlamentares jovens e, ainda assim, ligados a oligarquias.
Esse modelo, ao mesmo tempo reflete a formação de uma sociedade desigual e dá sustentação ideológica para a desigualdade. Apesar disso, é preciso enfrentar as ameaças imediatas, como o voto distrital e a PEC do Vacarezza.
“Temos que fazer a defesa do voto proporcional, porque o voto distrital ou misto destrói a representação dos grupos sub-representados. Será praticamente impossível uma mulher negra e lésbica ser a mais votada no distrito. Mas só isso, por si só, não cria outra correlação de forças para ter outro sistema político. Temos que nos colocar numa perspectiva mais radical para estratégia de ruptura. O básico da democracia direta é ela estar na mão do povo e dependemos do parlamento até para convocar plebiscito e referendo”, afirma.
O deputado Nilmário Miranda (PT-MG) alerta, porém, que a sub representação não pode ser confundida com o excesso de partidos.
“A sub-representação não é a defesa dos 28 partidos que temos hoje, muitos sem representar ninguém e que só servem para fazer negócio. É difícil propor uma reforma que organize isso, a saída, então, são as ruas para fazer avançar a democracia e permitir a luta de classes.”
Ele avalia que o voto uninominal faz com que a eleição parlamentar seja despolitizada. Como exemplo, cita as últimas quatro eleições presidenciais que terminaram com a vitória de candidatos do PT, mas sem que o partido elegesse maioria de parlamentares em nenhuma delas.
“Na Câmara dos Deputados não tem como mudar isso, o presidente (Eduardo Cunha) foi financiado por empresários e, dizem, ajudou a financiar vários outros deputados. Para ele, se tirar financiamento privado, acabou o poder”, definiu.
A reforma pelos movimentos
Integrante da secretaria operativa nacional do Plebiscito Popular por uma Constituinte para Reforma Política, campanha que arrecadou quase 8 milhões de votos, Paola Estrada destacou que nas últimas eleições a direita organizada colocou as mangas de fora como não se via há muito tempo.
Um dos reflexos, acredita, foi a eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que representa o lobby das empresas no Congresso. Para Paola, a tática das forças conservadoras é sangrar o governo, desgastar as ideias progressistas e se apropria da bandeira da reforma política, mas com o viés do financiamento empresarial.
Por isso, defende, não basta mais só falar de reforma política e sim dizer qual é a reforma que os movimentos sociais defendem.
“As forças conservadoras não estão preocupadas com o voto distrital, no fundo, o objetivo central é aprovar o financiamento privado de campanha, base do sistema corruptor em nosso país. Este momento é aquele que esperávamos, de acirrar a luta de classes para que a classe trabalhadora seja protagonista de sua própria história no Brasil. Sem resolver os entraves do sistema político, não conseguiremos tocar outras reformas como a agrária e da comunicação.”